Carta de Albernaz, de 1640, com o Litoral sul do Espírito Santo. Em destaque a Baía de Vitória com a Vila Velha e Vila da Vitória.
TEORIA, INVESTIGAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DOS DOCUMENTOS: CONTRIBUIÇÕES PARA A ESCRITA DA HISTÓRIA URBANA DO ESPÍRITO SANTO
Poucos sabem que a Vila da Nossa Senhora da Vitória, hoje cidade de Vitória/ES, não foi fundada em 08 de setembro de 1551, conforme celebra a historiografia oficial. Há o desconhecimento sobre a defesa da vila no período colonial, e a existência de muros que cercavam Vitória no século XVII, também, é pouco divulgado.
Objetivando divulgar o aprofundamento das pesquisas sobre a Vila da Vitória no período colonial a Profa. Dra. Luciene Pessotti coordenou no VI Enanparq uma Sessão Livre intitulada "A ESCRITA DA HISTÓRIA URBANA DO ESPÍRITO SANTO: REFLEXÕES CRÍTICAS", com a participação da Profa. Dra. Luciana Nemer (UFF), do Prof. Dr. Nelson Pôrto Ribeiro (UFES), da Profa. Dra. Andressa da Silveira Morelato (REDE DOCTUM), e da doutoranda da Universidade de Coimbra, Sofia Simões. Nesta oportunidade foram divulgadas as recentes pesquisas que demonstram que a escrita da história urbana do Espírito Santo na longa duração vem sendo problematizada a partir da releitura dos documentos de fonte primária.
Além de coordenar esta Sessão Livre a professora apresentou o artigo científico intitulado "TEORIA, INVESTIGAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DOS DOCUMENTOS: CONTRIBUIÇÕES PARA A ESCRITA DA HISTÓRIA URBANA DO ESPÍRITO SANTO". Neste artigo a Profa. Dra. Luciene Pessotti demonstra a revisão de duas assertivas da historiografia oficial, a saber: (1) a data da fundação da Vila da Vitória; e, (2) a existência de muros que cercavam a vila no século XVII.
Para conhecer a pesquisa leia o RESUMO e o ARTIGO CIENTÍFICO.
RESUMO
A escrita da história urbana é um ofício instigante. Requer do pesquisador esforços na busca por documentos e na interpretação destes à luz de perspectivas teórico-metológicas. As pesquisas de vilas do período colonial, notadamente as consideradas menos expressivas e com pouca documentação disponível, como é o caso da Vila da Vitória, sede da Capitania do Espírito Santo, requer um esforço ainda maior para compreensão da formação da rede urbana na América Portuguesa. As particularidades de cada núcleo urbano no contexto do território podem ser explorada através da leitura de documentos de fonte secundária e primária, notadamente as últimas. A releitura destas fontes vem possibilitando uma nova interpretação da dinâmica urbana da capitania.
As investigações sobre a rede urbana brasileira aprofundaram-se a partir da revisão teórica sobre o tema, principalmente, a partir da segunda metade do Século XX. A investigação e problematização da síntese das pesquisas, que são um marco na historiografia e, de outros territórios que foram o conjunto de possessões da Coroa Portuguesa, abriu caminho para novas investigações que contestaram a teoria desleixo x ordem. O estudo de Nestor Goulart Reis Filho (1968) identificou os principais agentes do processo de urbanização da América Portuguesa e relacionou a este fenômeno às dimensões políticas, econômicas e sociais do universo urbanístico português. A contribuição desse estudo e outros posteriores mudou as práticas investigativas, seja no bojo das problematizações, seja, na escrita da história.
A produção historiográfica no Espirito Santo seguiu as tendências da historiografia brasileira do século XIX, privilegiando a micro-história. A ampliação desta perspectiva tentou mudar o quadro historiográfico que concentrava-se na área política. Somente no século XIX iniciaram-se a impressão de trabalhos sobre a história capixaba e parte destas obras tem um caráter biográfico, característico do período. Nelas a Vitória colonial é descrita como um espaço sem higiene, sem planejamento e com poucas obras de relevância, destacando-se os edifícios públicos. Segundo o historiador Bittencourt (1984), essas obras refletiam os métodos da escrita da história em âmbito nacional, repetindo fonte e temas, sem grandes inovações, mas, com muitas repetições. Objetivando explicitar os avanços nas investigações da formação e estruturação do espaço urbano da Vila da Vitória vamos apresentar a releitura e reinterpretação de alguns documentos de fonte primária e secundária. Os desdobramentos desta releitura revelou singularidades de sua história urbana.
A primeira questão refere-se a assertiva histórica sobre a fundação de duas vilas na capitania no Século XVI. A primeira, a Vila do Espírito Santo, foi fundada em 1535 pelo donatário Vasco Fernandes Coutinho para ser a sede da capitania (OLIVEIRA, 1951). A segunda, a Vila da Vitória, não foi fundada. Surgiu de um povoado que foi se consolidando da ilha dada como sesmaria a Duarte Lemos. Entretanto, a historiografia consolidou a data de sua fundação em 08 de setembro de 1551. Não há documentos de fonte primária e secundária que atestem, até o momento, que houve fundação de nova vila nesta data na capitania. Há a narrativa que enaltece a vitória dos portugueses numa batalha contra os indígenas, que seria o marco da colonização no local.
Houve na verdade, durante o Século XVI, a transferência da sede da capitania de um sítio para outro. A implantação da primitiva sede, a Vila do Espírito Santo, na entrada da baía, denominado de Rio Espírito Santo, foi determinada pela defesa. O local, estratégico, foi alvo de ataques indígenas e nações estrangeiras, tornando-o expugnável.
A reorganização das sedes demonstra, numa perspectiva teórica, a politica de posse do território. Rossa (2000), defende que as dinâmicas coloniais portuguesas na América do Sul, i.e., a territorialização do Império Português, determinou a criação lusitana da cultura do território. Importava garantir a posse e a defesa. A escolha do sítio era determinante. Esse fator determinou a transferência da sede da vila e não a fundação de outra nova.
A segunda questão refere-se a defesa do território. No século XVI a defesa da capitania foi relevante para consolidação do projeto colonial. Em 1549, já no período do Governo Geral, o Regimento do governador e capitão general Tomé de Souza... (1998) faz referência a situação de fragilidade da capitania e menção a sua a defesa, visto sua posição estratégica.
O Regimento... (1998), escrito em 1548, retrata a preocupação da Coroa com relação a salvaguarda e resistência da capitania frente às ameaças dos índios que dificultaram a consolidação do projeto de colonização.
Reis Filho (1994) lançou a hipótese da construção de muros para proteger a povoação da ilha após a visita de Tomé de Souza, em 1552. A hipótese da existência de elementos defensivos só pôde ser comprovada há alguns anos através de documento de fonte primária, ainda que os elementos defensivos tenham sido erguidos um século depois.
As singularidades aqui citadas, atestadas através de documentos, demonstram que houve na capitania uma série de ações que estavam alinhadas com a política de conquista do território. Garantir a consolidação administrativa da sede e sua defesa demonstra os esforços dos agentes colonizadores nesta empreitada. Mesmo com parcos recursos e contingente humano reduzido uma série de ações garantiu o sucesso do projeto colonial.
Para ler o ARTIGO CIENTÍFICO acesso o link dos Anais do IV Enanparq. O artigo está na página 1688 até a pagina 1702.
REFERÊNCIAS BITTENCOURT, Gabriel. Literatura e História. Historiografia Capixaba (Bibliografia da 1o República). Vitória: Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo,1984. OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro, 1951. REGIMENTO do governador e capitão general do Brasil Tomé de Souza dado em Almerim, Portugal, a 17 de dezembro de 1548: “constituição prévia” do estado do Brasil. Salvador: Fundação Gregório de Mattos, 1998. REIS FILHO, Nestor Goulart. Breve Histórico do Centro de Vitória. Vitória: Prefeitura Municipal de Vitória, Secretaria Municipal de Planejamento, Companhia de Desenvolvimento de Vitória,1994. REIS FILHO, Nestor Goulart. Contribuição ao estudo da Evolução Urbana no Brasil (1500-1720). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1968. ROSSA, Walter. No primeiro dos elementos. Dados para uma leitura sintética do urbanismo e da urbanística portuguesa da Idade Moderna. Oceanos, A construção do Brasil Urbano, no 41, p.8-23, janeiro/março 2000.
Fonte da Imagem: Esta carta é parte do Atlas do Brasil de 1640 de João Teixeira Albernaz, conhecido com "Descrição de todo o marítimo da Terra de Santa Cruz chamado vulgarmente, o Brasil". Manuscrito colorido de João Teixeira Albernaz, de 1640. Original na Torre do Tombo, em Lisboa.
Disponível em: https://www.historia-brasil.com/mapas/atlas-1640.htm.
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