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#ESPECIAL 1 - O DESENHO URBANO COMO INSTRUMENTO NA PREVENÇÃO AO CRIME


O episódio especial foi gravado pela Profa. Dra. Luciene Pessotti em 22 de julho de 2020.


Neste episódio foi apresentado o resultado da pesquisa “O desenho urbano como instrumento na prevenção do crime”, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES), desenvolvida na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), e coordenada pela Profa. Dra. Luciene Pessotti. O referencial teórico adotado foi o da Prevenção do Crime através do Design Ambiental (CPTED).




O método CPTED e suas estratégias


O termo Crime Prevention Through Environmental Design (CPTED), originalmente formulado pelo criminologista C. Ray Jeffery na década de 1960, vem sendo estudado por arquitetos, urbanistas, jornalistas, antropólogos e pesquisadores da área de segurança pública como Jane Jacobs, Oscar Newman, Timothy Crowe e Roberson Bondaruk, que exploram em suas pesquisas a relação entre o ambiente construído e o comportamento criminoso.


A teoria do CPTED, afirma que os delitos ocorrem em determinados espaços devidos às oportunidades que o entorno físico oferece (SOUZA; COMPANS, 2009).Na busca de aumentar a segurança nas cidades, observa-se a tendência de transformarem espaços públicos em espaços fechados, o que acaba dividindo a cidade em partes, dificultando a integração e a construção de um espaço urbano interligado.


A falta de integração afeta negativamente a relação da população com os espaços públicos da cidade, pois, são nas ruas, calçadas, parques e praças onde acontecem as relações interpessoais e as manifestações coletivas. Entretanto, essa relação diminui e a dinâmica do espaço urbano se altera, quando a sensação de insegurança aumenta. As pessoas buscam espaços fechados, como sinônimo de segurança, e os espaços públicos tornam-se inseguros, exatamente pelo uso reduzido, levando a um círculo vicioso entre abandono e multiplicação do medo e da insegurança.


Visando melhorar a percepção de insegurança e tornar os espaços públicos seguros, surgem teorias que entendem o espaço público como elemento de influência na segurança da população. A relação entre o desenho urbano e o modo que as pessoas utilizam e usufruem desse espaço são determinantes quando se trata de prevenção ao crime (LIMA, 2013).


O CPTED tem como objetivo reduzir a incidência de crimes e melhorar a sensação de segurança da população, a partir de uma perspectiva baseada nas teorias da decisão racional, que estudam o processo de tomada de decisões de um potencial criminoso (HEIN; RAU, 2003). Considerando que existe três fatores favoráveis à uma atitude criminosa - um autor, um alvo acessível, e um espaço urbano com características ambientais propícias à atividade delitiva e ausência de vigilantes -, a metodologia apresenta estratégias que visam à alteração de variáveis situacionais, buscando reduzir as oportunidades através do aumento do esforço e da percepção de risco pelo criminoso (LIMA, 2011). Na prática, as quatro estratégias do CPTED constituem-se em diferentes aspectos de uma única metodologia que tratam da segurança no ambiente físico construído. São elas: (1) controle natural de acesso, que visa reduzir a oportunidade da prática de crimes nos espaços através da possibilidade de observação do acesso de pessoas desconhecidas; (2) vigilância natural, estratégia de prevenção que transmite ao delinquente a sensação de estar sendo observado; (3)reforço territorial, que se obtém com a ocupação dos espaços e com reforço da identidade através da formulação do desenho urbano e recuperação dos espaços de convivência com a participação da comunidade, e; (4) manutenção, que reduz a percepção de abandono e vulnerabilidade dos espaços urbanos, elimina a oportunidade e condição para a prática de delitos e é uma referência física de harmonia e controle social informal (SALLES 2007; TASCA, 2013; BONDARUK, 2007).


Para elaboração da pesquisa foram realizadas visitas técnicas em países da América Latina onde estratégias do método foram utilizadas para redução da violência. Colômbia e Chile tiveram intervenções de integração de arquitetura e desenho urbano visando a melhoria dos espaços urbanos como forma de diminuir a criminalidade. O Complexo do Alemão, na cidade do Rio de Janeiro, também foi visitado para se conhecer as estratégias adotadas, segundo os critérios do CPTED, para redução da criminalidade. As intervenções do Complexo do Alemão tem certas semelhanças com as que sofreram a cidade de Medellín, Colômbia.


O estudo de caso da pesquisa foi o bairro de São Torquato, Vila Velha/ES. O bairro São Torquato situa-se no extremo norte do município de Vila Velha, parte integrante da Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV), pertencente ao Estado do Espírito Santo. O bairro surge no final do século XIX devido a prosperidade do Porto de Vitória. As linhas de bonde, da década de 1910, e a construção da Ponte Florentino Avidos, que liga Vila Velha a Vitória (capital) em 1928, impulsionou o crescimento da região. A estação de trem inaugurada nas proximidades do bairro, que fazia a ligação da capital com o Sul do Estado, promoveu o intenso intercâmbio de São Torquato com o Rio de Janeiro. Com a evolução do funcionamento da Estrada de Ferro, a ocupação da região se intensificou (BAPTISTA, 2011).


Na década de 1960 se inicia a urbanização do bairro. Na década de 1970, em consequência da implantação de projetos industriais da Grande Vitória, se intensificou o processo de migração do interior para a Região Metropolitana. Esse fato fez com que atraísse comércio e, cada vez mais, novos moradores para a região, já que até então, era o local mais próximo dos postos de trabalho que se expandiam no Porto de Vitória (BAPTISTA, 2011). Entre os anos de 1950 e 1970 iniciou-se o uso misto, de residências e comércio, o que deu origem a um polo de comércio, existente até hoje. O uso do solo predominante no bairro é o residencial, embora, no entorno da principal praça exista um intenso uso de comércio e serviço. Com população com renda que varia de 3 a 4 salários mínimos, o local, possui índices de violência altos, e o espaço urbano é onde se dá a maior parte dos eventos criminosos.


Proposições de Desenho Urbano para São Torquato: as referências do CPTED para redução do crime.


Na UFES foram, inicialmente, realizados estudos integrados de Desenho Urbano, em nível de Estudo Preliminar, no âmbito da Disciplina de Urbanismo I e de Paisagismo I, associando as atividades de pesquisa e ensino. O recorte projetual foi a Praça Getúlio Vargas e seu entorno, principal espaço público do bairro, subutilizado, e com grande incidência de crimes e delitos. O objetivo, após realizados levantamentos e diagnósticos urbanísticos e paisagísticos, foi adotar os critérios do CPTED, visando melhorar a segurança do local, assim como, melhores condições urbanas, sociais e paisagísticas. Foram adotados os seguintes critérios: melhoria da mobilidade urbana; valorização dos espaços públicos; interligação dos equipamentos públicos; implantação de elementos urbanos; qualidade da iluminação pública; proposições que favoreçam a apropriação dos espaços públicos.


No âmbito da pesquisa, para se aplicar o CPTED utilizou-se os pressupostos teórico-metodológicos da Matriz SWOT – Strengths, Weakness, Opportunities, Threats vinculados ao Planejamento Estratégico.Para todo o bairro de São Torquato realizaram-se análises, diagnósticos, identificaram-se problemas e potencialidades (com ênfase no âmbito social e urbanístico). A partir deste ponto definiram-se objetivos ediretrizes projetuais.


Após a análise dos problemas urbanos e sociais relacionados a violência e criminalidade, identificou-se as potencialidades existentes em São Torquato, correlacionando-os.Inicialmente, assumiu-se os problemas como globais – que podem ser encontrados em outros locais do Brasil -, e desenvolveram-se diretrizes, que também pudessem ser genéricas, e consequentemente, aplicadas em outros locais com os mesmos problemas.


Por fim, definiram-se estratégias específicas para o bairro São Torquato com proposição de ações. No que tange o aspecto urbanístico há um enfoque nas estratégias do CPTED. Este item relaciona as diretrizes e estratégias desenvolvidas para o problema identificado com o que o CPTED preconiza, demonstrando a aplicabilidade do método no estudo de caso, considerando, também, intervenções paradigmáticas que são referências nacionais e internacionais de Desenho Urbano.


O estudo de caso possibilitou a reflexão teórica, no contexto brasileiro, da possibilidade de se aplicar a metodologia de uma experiência internacional na proposição de soluções espaciais que reduzissem a criminalidade no espaço urbano, considerando as citadas intervenções da Colômbia e do Chile, pelas semelhanças do contexto socioeconômico.


O uso da metodologia do CPTED valorizou o principio da integração do desenvolvimento urbano à políticas de espaços seguros, com enfoque principal na revitalização dos espaços públicos.A criminalidade, na maioria das regiões metropolitanas brasileiras, tem local e tipo bem delimitados, como a questão do tráfico de drogas, e demais crimes, que provocam isolamento, segregação socioterritorial e discriminações, e disseminam nos territórios relações de poder deturpadas, bem como, toda uma cultura de vivência socioespacial, ambas associadas ao crime.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BAPTISTA, Jussara (2011). Flores do Pântano. Histórias erguidas sobre o mangue de São Torquato. Vitória, Edição do autor.

BONDARUK, Roberson Luiz. (2007). A Prevenção do Crime Através do Desenho Urbano. Curitiba: Edição do autor.

HEIN, Andreas; RAU, Macarena. (2003). Estudio comparado de políticas de prevención del crimen mediante el diseño ambiental CPTED. [S.l.]: Fundación Paz Ciudadana, Disponível em: <http://www.cejamericas.org/index.php/biblioteca/biblioteca-virtual/doc_view/734-estudio-compar ado-de- pol%C3%ADticas-de-prevención-del-crimen-mediante-el-diseño-ambiental-cpted.html>. Acesso em 05 jul. 2015.

LIMA, Renato Sérgio de (Coord.). (2013). Nova Técnica - Estudo Conceitual sobre os Espaços Urbanos Seguros. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo.

LIMA, Vera Cristina de Sousa. (2011). Espaço e criminalidade em favelas de Belo Horizonte. In: Anais... XIV Encontro Nacional da ANPUR, vol. 14, n. 1, maio. Disponível em: <http://unuhospedagem. com.br/revista/rbeur/index.php/anais/article/view/3651/3576>. Acesso em 3 set. 2014.

PESSOTTI, Luciene. (2016). O desenho urbano como instrumento na prevenção do crime. Relatório de Pesquisa – Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES) - Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU), Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.

SALLES, S.V. Adriana. (2007). Diretrizes para o espaço urbano público inibidor de delitos: Estudo de caso. 2007. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Programa de Pesquisa e Pós- Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de Brasília, Brasília. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/1126/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o_ 2007_AdrianaVasconcellosSalles.pdf>. Acesso em 16 mar. 2016.

SOARES, Adriano S.(2013). A paisagem como objeto de politicas publicas. O caso das favelas cariocas. Revista Geonorte, Edição Especial 3. vol. 7, n. 1, p. 15- 39 (ISSN – 2237-1419).SOUZA, Maria J. N.; COMPANS, Rose. (2009). Espaços urbanos seguros: a temática de segurança no desenho da cidade. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, vol. 11, n. 1, p. 09- 24, mai. Disponível em: <http://unuhospedagem.com.br/revista/rbeur/index.php/rbeur/ article/viewFile/207/191>. Acesso em 31 maio 2015.

TASCA, Jorge Eduardo. (2013). A contribuição da avaliação de desempenho, como um instrumento de apoio à decisão, para a prevenção ao crime baseada no ambiente. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.


Este texto integra o artigo “Critérios de desenho urbano e as intervenções de integração de arquitetura e urbanismo com a segurança das cidades: Colômbia, Chile e Brasil.”, apresentado em Bogotá, no ano de 2017 no 09_IX Seminario Internacional de Investigación en Urbanismo, Barcelona-Bogotá. Disponível em: https://upcommons.upc.edu/handle/2117/108481

Para ouvir o episódio acesso aqui o link do Spotify.


AUTORA DO TEXTO: PROFA. DRA. LUCIENE PESSOTTI


BIO/ MINI CURRÍCULO DO AUTOR


Professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) no curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Coordenadora do Grupo de Pesquisas CRETA/CNPq. Membro do Grupo de Pesquisa GPTA/DAU/UFES. Coordenadora do Projeto de Pesquisa Andança com divulgação dos debates em podcast. Pesquisas de Pós-Doutorado UFBa (2020 - em andamento). Pós-Doutoral pelo CNPq/FAPES no Programa DCR (UFES-2007/2010). Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (2005). Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Espírito Santo (1994), Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (2000). Especialista em Restauração e Conservação de Monumentos e Sítios Históricos (IX CECRE) (1996). Sócia do IHGES. Possuí experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em História e Teoria da Arquitetura e Urbanismo, atuando principalmente nos seguintes temas: preservação do patrimônio cultural, preservação do patrimônio ambiental urbano, desenvolvimento urbano.

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