Critérios de desenho urbano e as intervenções de integração de arquitetura e urbanismo com a segurança das cidades: Colômbia, Chile e Brasil.
Neste episódio abordou-se os planos e ações implementadas nas últimas décadas na Colômbia e no Chile que objetivavam a integração do desenho urbano com a segurança pública de suas cidades.
Os critérios de desenho urbano adotados foram os da teoria da Prevenção do Crime através do Design Ambiental (CPTED). As estratégias do CPTED são ferramentas de planejamento dos espaços aplicadas para sua segurança, com ênfase em desenvolver o sentimento de pertença através da ocupação, manutenção e gestão, supervisão dos moradores e transeuntes dos espaços, iluminação adequada, aumento do campo visual, implementação de elementos que dificultem o acesso, redução de áreas vulneráveis, estimular o uso misto, criação de atividades de lazer e convivência social.
No âmbito mundial algumas experiências são muito conhecidas e divulgadas como exemplos positivos de políticas de segurança pública a serem seguidas. Porém, diante da diferença observada em relação aos desafios da segurança cidadã nos países do hemisfério norte e sul, objetivou-se aproximar exemplos da realidade do Brasil, com outros países da América do Sul, notadamente, Colômbia e Chile, onde se vêm obtendo bons resultados.
Bogotá, capital da Colômbia, é conhecida mundialmente por sua violência. Desde a década de 1990 um conjunto de medidas da reforma política vem mudando esse cenário, com queda no número de homicídios em Bogotá. Vários programas e projetos multidisciplinares foram adotados visando a prevenção e a melhoria da convivência cidadã, e merece destaque a continuidade desses programas, que se mantêm, com a troca dos governantes.
Medellín foi premiada, em 2013, como a cidade mais inovadora do Mundo pelo Urban Land Institute, recebendo ainda o Prêmio Internacional de Desenho e Arquitetura. Mas nem sempre foi assim. Na década de 1990 era conhecida como a “capital mundial da violência”.
Em 2016 o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, foi condecorado com o Prêmio Nobel da Paz, por seu esforço em acabar com o conflito armado que ocorre há cinco décadas, demonstrando o enorme esforço que a Colômbia vem fazendo para extirpar a violência de seu território e de sua cultura.
O Chile é considerado o país sul-americano pioneiro na utilização da metodologia CPTED. Os conceitos de “Arquitetura Contra o Crime” começaram a ser aplicados no Chile em 1985. Somente em 2001, com o Programa Comuna Segura adotou-se a metodologia do CPTED como estratégia piloto na cidade de Santiago, e nas comunas vizinhas de La Granja, Vitacura e Peñalolén.
Ressaltam-se duas ações: (1) a elaboração do Manual Espaços Urbanos Seguros, em 2004, baseado nos critérios do CPTED. Nele estão as “recomendações de desenho e participação comunitária, e está dividido em três partes: conceitos gerais, recomendações de desenho e participação comunitária, finalizando com uma valiosa compilação de experiências práticas realizadas no âmbito do programa” (LIMA, 2013, p.15); e, a (2) Estratégia Nacional de Segurança Pública - 2006-2010, que atuou “através de seis eixos de intervenção: institucionalidade, informação, prevenção, controle e sanção, reabilitação e reinserção social e assistência a vítimas” (DAMMERT, 2013, p.133).
Em 2010 é lançado um novo programa, em substituição aos demais. Trata-se do Plano de Segurança Pública Chile Seguro 2010-2014, que contempla um conjunto de ações, que deveriam ocorrer nesse período, para combater a delinquência (CHILE, 2010a).
O principal ponto das políticas públicas de segurança da Colômbia e do Chile, e a ser considerado no Brasil, é a multidisciplinaridade. No Brasil, a política de segurança difere dos países citados acima, pois, constata-se que “a força policial ocupa espaço central no desenvolvimento e implementação das ações de repressão e prevenção” (SALLES, 2007, p.49).
O Brasil, através de suas políticas públicas de segurança, ainda não constatou plenamente que é necessário aumentar o investimento em eventos culturais, na educação, promover maior integração entre os cidadãos e investir na prevenção da criminalidade (NETO; SILVA, 2012). Vasques (2013), reitera que não se pode enfrentar a criminalidade apenas por meio da repressão policial, deve-se combiná-la aos massivos investimentos no setor social – a verdadeira raiz do problema.
Bogotá e Medellín “se tornaram verdadeiros laboratórios para a prevenção da criminalidade, mesmo situadas em um contexto de economia ainda em desenvolvimento” (VASQUES, 2013), integrando desenvolvimento urbano às políticas de espaços seguros, com enfoque principal na revitalização dos espaços públicos.
A política de segurança pública do Chile demonstrou ainda a possibilidade de se inserir a metodologia do CPTED em cidades sul-americanas, criando guias de fácil entendimento do método para que leigos possam entendê-la e usufruir de seus benefícios.
Segundo Lima (2013), o atual momento das grandes cidades brasileiras, na urbanização de assentamentos informais, pode trabalhar vulnerabilidades e oportunidades de mudanças de paradigmas urbanos, permitindo aproveitar as necessidades e a iminência da transformação para implantar de forma definitiva a cultura da paz e da cidadania.
A Profa. Dra. Luciene Pessotti teve com objeto da pesquisa de pós-doutoramento o bairro de São Torquato, localizado no município de Vila Velha, Estado do Espírito Santo, Brasil. O bairro possui alto índice de violência. Desenvolveu-se para o local estudos de desenho urbano, com os critérios do CPTED, visando transformar o bairro em um local mais seguro.
No âmbito do IX Seminario Internacional de Investigación en Urbanismo apresentou-se as intervenções realizadas na América do Sul como importantes estudos de caso na melhoria da segurança pública, tendo como um das principais ferramentas o desenho urbano. As principais intervenções do CPTED abordadas foram as de Bogotá e Medelin, Colômbia; Santiago, e as comunas vizinhas de La Granja, Vitacura e Peñalolén. Do Brasil, exemplificou-se, em escala territorial, (1) a proposta desenvolvida na pesquisa de pós-doutoramento para o bairro de São Torquato e, (2) o exemplo do Plano de Desenvolvimento Urbanístico do Complexo do Alemão, Rio de Janeiro, experiência que baseou-se nas intervenções colombianas, e suas repercussões na segurança e os impactos sociais.
Essas intervenções são paradigmáticas, pois, permitem repensar os critérios de desenho urbano em áreas vulneráveis na América do Sul, considerando, as semelhanças dos problemas econômicos, sociais, além daqueles associados ao narcotráfico e suas consequências para a segurança urbana, o pleno desenvolvimento da cidadania e da implementação da cultura da paz.
CARVALHO, Nelson; CASTANHEIRA, Leila. Relatório Bogotá-Colômbia. As interpretações para a redução da criminalidade. Rio Estudos, Rio de Janeiro, no 39, p. 2-7, nov. 2001.
CHILE. Plan de Seguridad Pública 2010-2014. Gobierno de Chile, Ministerio del Interior y Seguridad Pública. Chile, 2010a.
DAMMERT, Lucía. Chile: da narrativa à gestão efetiva. In: BASOMBRIO, Carlos (Ed.). Para aonde vamos? Análise de políticas públicas de segurança Cidadã na América Latina. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2013. p.125-142.
DIMENSTEIN, Gilberto. Medellín passou de capital da violência a laboratório da paz. Folha de São Paulo, 16 out. 2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ ff1510200605.htm>. Acesso em 20 abr. 2015.
LIMA, Renato Sérgio de (Coord.) Nova Técnica - Estudo Conceitual sobre os Espaços Urbanos Seguros. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo, 2013.
MAISONNAVE, Fabiano. Luta antidrogas tem de mudar, diz prefeito. Folha de São Paulo, 02 dez. 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/141745-luta-antidrogas-tem-de- mudar-diz-prefeito.shtml#_=_>. Acesso em 20 abr. 2015.
NETO, Francisco Gelinski; SILVA, Jediael Emanoel Pereira da. A Prevenção e o controle da violência e criminalidade: programas exitosos. In: Anais... VI Encontro de Economia Catarinense. Tema 7 – Economia Social e Políticas Públicas. Joinville, Santa Catarina, 2012. Disponível em: <http://www.apec.unesc.net/VI_EEC/sessoes_tematicas/Tema7-Economia%20Social%20e%20 Politicas%20Publicas/Artigo-16-Autoria.pdf>. Acesso em 16 mar. 2016.
PESSOTTI, Luciene. O desenho urbano como instrumento na prevenção do crime. Vitória: Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES), 2016. CD ROOM.
SALLES, S.V. Adriana. Diretrizes para o espaço urbano público inibidor de delitos: Estudo de caso. 2007. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Programa de Pesquisa e Pós- Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de Brasília, Brasília, 2007. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/1126/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o_ 2007_AdrianaVasconcellosSalles.pdf>. Acesso em 16 mar. 2016.
VASQUES, Leandro. Criminalidade não se combate só com repressão policial. Blog O Povo: informação sem preconceito. 23 mai. 2013. Disponível em: <http://blog.opovo.com.br/blogdoeliomar/criminalidade-nao-se-combate-so-com-repressao- policial/>. Acesso em 20 abr. 2015.
Para ouvir o episódio acesso aqui o link do Spotify.
AUTORA DO TEXTO: PROFA. DRA. LUCIENE PESSOTTI
BIO/ MINI CURRÍCULO DO AUTOR
Professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) no curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Coordenadora do Grupo de Pesquisas CRETA/CNPq. Membro do Grupo de Pesquisa GPTA/DAU/UFES. Coordenadora do Projeto de Pesquisa Andança com divulgação dos debates em podcast. Pesquisas de Pós-Doutorado UFBa (2020 - em andamento). Pós-Doutoral pelo CNPq/FAPES no Programa DCR (UFES-2007/2010). Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (2005). Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Espírito Santo (1994), Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (2000). Especialista em Restauração e Conservação de Monumentos e Sítios Históricos (IX CECRE) (1996). Sócia do IHGES. Possuí experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em História e Teoria da Arquitetura e Urbanismo, atuando principalmente nos seguintes temas: preservação do patrimônio cultural, preservação do patrimônio ambiental urbano, desenvolvimento urbano.
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